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O uso dos ladrilhos hidráulicos na arquitetura moderna campinense

| Arthur Thiago Thamay Medeiros e Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo |

Na cidade de Campina Grande, localizada no agreste paraibano, o ladrilho hidráulico foi inserido no período de eclosão do estilo eclético na arquitetura, mas, ainda não era ali produzido. Somente a partir do final da década de 1940, iniciou-se a fabricação local, fomentando a mão de obra local e pequenos artesãos que ali residiam.

Tratando dos acontecimentos históricos de Campina Grande, a cidade que outrora foi empório comercial do algodão, na contemporaneidade abarca o título de cidade universitária, exercendo, assim, uma influência geoeconômica em limites que transpõem fronteiras estaduais. O crescimento acelerado da cidade se deu em decorrência das atividades dos tropeiros, quando a cidade se tornou um centro distribuidor do algodão.

Após o declínio do comércio algodoeiro na cidade foi a vez de outros setores industriais crescerem. O ladrilho hidráulico começou a ser produzido em Campina Grande por iniciativa do empresário José Guedes de Andrade que, em 1947, fundou a primeira indústria do produto na cidade: a Fábrica de Mosaicos Resistência. A partir da década de 1950, várias fábricas de ladrilho hidráulico se instalaram na cidade, tendo seu ápice na década de 1960, quando havia seis fábricas em pleno funcionamento e a cidade colhia os frutos de um plano de urbanização e do estilo arquitetônico moderno que estava em evidência.

No final do decênio de 1970, o ladrilho foi perdendo espaço no mercado devido às mudanças no gosto popular com a introdução dos revestimentos cerâmicos de fabricação mecanizada, de qualidade visual superior com superfícies esmaltadas e que não necessitavam de frequentes manutenções. Boa parte dessas fábricas fecharam suas portas por motivos econômicos e administrativos em decorrência da queda nas vendas, até que a última fábrica de ladrilhos da cidade encerrou suas atividades no final da década de 1980. No final dos anos 1990, a venda do ladrilho hidráulico no Brasil cresceu consideravelmente, daí retomaram-se as atividades da primeira fábrica de ladrilhos fundada em Campina Grande, ressignificando toda a técnica e tradição deste revestimento.

Diante desses acontecimentos, a questão norteadora desta pesquisa refere-se à importância das fábricas de revestimento que havia em Campina Grande na constituição histórica e arquitetônica da cidade. Assim sendo, o objetivo da pesquisa foi investigar o modo como a arquitetura moderna absorvia a demanda das fábricas locais. Para delimitar a pesquisa, o estudo foi dividido em dois recortes: 1) O primeiro, um recorte temporal, estabelecendo as décadas de 1920 a 1990 como as mais relevantes historicamente; 2) O segundo, um recorte espacial, o lugar: Campina Grande, cidade que propiciou todas as mudanças no cenário arquitetônico local, devido à sua boa localização geográfica que beneficiava o crescimento socioeconômico.

A base metodológica da pesquisa apoiou-se na obra de Geraldo Serra [1], que trata o objeto de estudo como um processo que dialoga com um sistema composto por condicionantes ou aspectos sociais, históricos, econômicos, geográficos, políticos que dialogam entre si e que constroem o entendimento do objeto de uma forma multidisciplinar e transversal.

Por se tratar de uma pesquisa exploratória, fez-se necessário o uso de ferramentas de registro fotográfico e descrições das fontes documentais existentes. Decidiu-se, então, pelo cruzamento de fontes primárias e secundárias que possibilitasse a pesquisa histórica sobre o percurso da modernidade na arquitetura na cidade através da coleta de evidências relacionadas aos revestimentos utilizados na época.

Assim, a busca de dados foi realizada em diversas áreas de conhecimento, promovendo a integração dos temas que serão desenvolvidos nos tópicos a seguir e propiciando a contribuição de pontos de vista que corroboram a construção de elementos que fizeram parte da trajetória industrial de Campina Grande.

A dimensão geográfica: o lugar

Localizada no Agreste do Planalto da Borborema da Paraíba, Campina Grande é considerada a segunda cidade mais populosa da Paraíba e sua região metropolitana é formada por dezenove municípios. De acordo com estimativas do IBGE, sua população é de 410.332 habitantes [2]. A cidade exerce uma influência geoeconômica em limites que transpõem fronteiras estaduais, tornando-se uma das cidades interioranas mais importantes de toda Região Nordeste (Fig. 1).

Fig.1. Mapa de localização da cidade de Campina Grande (Fonte: Montagem dos autores, 2019)

A dimensão histórica

Campina Grande, que inicialmente era uma aldeia dos índios Cariris (cujo nome batizou uma das principais e mais antigas ruas do município), foi palco de grandes acontecimentos históricos, como a revolta do “Quebra-quilos”. Em 1790, transformou-se em vila, nomeada a partir de então como Vila Nova da Rainha, e somente em 11 de outubro de 1864 foi elevada à categoria de cidade [3].

A urbanização do município teve um forte vínculo com suas atividades comerciais. O grande salto de desenvolvimento foi devido às atividades tropeiras e ao crescimento da cultura do algodão, quando a cidade chegou a ser a segunda maior produtora de algodão do mundo. Em meados do século XIX, a manufatura agroindustrial, ancorada principalmente na cana-de-açúcar e no algodão, sustentava a economia paraibana.

Por estar posicionado no Agreste, entre o Litoral e o Sertão, o município tornou-se ponto de trocas por quem ali passava cruzando as estradas da Paraíba, transformando-se em empório comercial.  A ocupação do espaço territorial de Campina Grande fundamentou-se pela conjugação de interesses mercantis e pelas grandes propriedades agro açucareiras, impulsionadores das atividades criatórias e de subsistência [4].

A revolução industrial foi responsável por desenvolver no Nordeste brasileiro a lavoura algodoeira, importante como produto de base da indústria têxtil, passando a interessar o mercado internacional a partir da segunda metade do século XVIII. Campina, então, eclode como centro comercial do algodão de toda Região Nordeste.

Além de superar a capital do Estado em crescimento urbano e demográfico, também superava em arrecadação de impostos e rendas públicas. Esse desenvolvimento acelerado estava ligado ao algodão desde 1910, quando começou a atrair grande quantidade desta fibra têxtil produzida no interior e nos Estados próximos. Campina Grande assumiu um papel importante na economia da Paraíba como cidade que comercializava o algodão, sendo referência em todo o Brasil. O crescimento econômico, comercial, industrial, demográfico e urbano de Campina Grande, entre as décadas de 1920 e 1950, foi de enorme proporção, visto em poucas cidades brasileiras, passando pela intensificação de um processo de reformulação urbana pautado nos ideais de higiene, circulação e embelezamento [5].

Neste período, grandes transformações na paisagem urbana da cidade foram observadas, como o realinhamento de ruas, pavimentação, instalação de rede de água e esgoto e a demolição de um conjunto arquitetônico eclético no perímetro central para dar espaço a construções que atendessem ao plano de progresso e modernidade almejado pelo então prefeito nomeado da época, Vergniaud Borborema Wanderley.

Com o declínio do ciclo do algodão na cidade e a crise nos setores comerciais varejistas e de serviço, a economia encontra espaço na indústria como retomada da crise. O crescente número de fábricas de ladrilho hidráulico em Campina foi devido à grande demanda em reformas e construções de imóveis que atendessem aos novos padrões estabelecidos de modernidade e saneamento.

Fig.2. Foto de uma das mais antigas construções ecléticas, com tendências neoclássicas, de Campina Grande, atual sede da FURNE – UEPB. Ao lado, foto da área interna com piso em ladrilho hidráulico (Fonte: Fotomontagem dos autores, 2019).

Um dos grandes acontecimentos importantes para Campina Grande na década de 1940 foi a fundação da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP).  E somente em 1978 foram iniciadas as obras da atual sede (concluídas após cinco anos), sob a supervisão e projeto do arquiteto Cydno da Silveira Oliveira (Fig.3).

Fig.3. Vista panorâmica da sede atual da FIEP (Fonte: fiepb.gov.br)

No 6º andar do prédio, ambientado no gabinete da Presidência, há um extenso painel de azulejos do artista brasileiro Athos Bulcão (Fig. 4). Concebido em 1983, o painel possui referência formal nas Almofadas de Bilros (ferramenta para fabricação da renda de bilro), em homenagem aos primórdios da industrialização têxtil.

Fig.4. Painel de azulejos de Athos Bulcão da FIEP (Fonte: GRUPAL, 2019)

A partir da década de 1950, Campina Grande estava envolvida por uma atmosfera de otimismo e mudanças que permeavam o imaginário da população e, em meados deste decênio, a cidade experimentava o desenrolar de um novo ciclo de modernização, em compasso com os acontecimentos nacionais e alicerçado nos esforços da elite local para inseri-la no processo de industrialização do país.

Segundo Afonso e Meneses [6], a arquitetura moderna campinense incorporou características provenientes da Escola do Recife. Devido a Campina Grande ter sido, na época, um grande centro econômico e por sua proximidade com a capital pernambucana, os arquitetos formados em Recife se beneficiaram do fato de existirem poucos arquitetos residentes na cidade e de uma elite que estava atenta ao que era produzido em Pernambuco, encontrando, assim, em Campina, um interessante campo de trabalho.

Desse modo, houve algumas características peculiares do conjunto arquitetônico moderno da cidade: linhas funcionais, valorização da climatização natural e predominância volumétrica. Outra especificidade da modernidade campinense era os revestimentos variados que formavam a execução das obras: módulos vazados, cerâmicas, ladrilhos hidráulicos, azulejos e tacos compunham os pisos e paredes.

Alguns desses revestimentos permanecem nas residências modernas campinenses, a exemplo da Residência Antônio Diniz Magalhães (Fig. 5) e da Residência Helion Paiva (Fig. 6 e 7), projetadas pelo arquiteto autodidata Geraldino Pereira Duda, expressando um passado não tão distante, permanecendo nas construções e deixando um legado para o conjunto arquitetônico moderno da cidade.

Fig.5. Residência Antônio Diniz Magalhães e sua situação atual (Fonte: Elaborado pelos autores, 2019)

Fig.6. Residência Helion Paiva (Fonte: Elaborado pelos autores, 2019)

Fig.7. Painel do jardim da Residência Helion Paiva projetada em 1968 (Fonte: Elaborado pelos autores, 2019)

Fig.8. Piso do hall de entrada da Residência Otavio Lima Leite, projetada em 1962 (Fonte: Elaborado pelos autores, 2019)

Assim sendo, investigando o fator tectônico, houve o uso de ladrilhos hidráulicos na arquitetura moderna campinense em alternativa ao uso do azulejo, devido à facilidade na obtenção da matéria-prima produzida localmente, havendo uma valorização do revestimento e sua disseminação na ornamentação das construções modernas (Fig. 8).

Seguindo para a década de 1970, houve uma recessão das indústrias de ladrilho hidráulico e ascensão de outros setores industriais.  Adentrando no decênio de 1980, o período foi marcado pelo desuso dos ladrilhos hidráulicos e instabilidade econômica no setor industrial. Inegavelmente, houve vários motivos que levaram ao fechamento das indústrias que funcionaram na década de 1970 e que porventura encerraram suas atividades na década seguinte, dentre eles, a falta de incentivos fiscais e dificuldade na abertura de crédito para pequenas empresas.

De certo, um fator decisivo para o desuso dos ladrilhos hidráulicos – não somente em Campina Grande, mas em todo o Brasil –, foi a ascensão dos pisos cerâmicos mais baratos e com superfície esmaltada, que não necessitavam de manutenções constantes ou de aplicação de ceras para lustrar ou impermeabilizar, sem falhas visuais e com linha de produção automatizada para fabricação em larga escala, afetando a fabricação dos ladrilhos que não tinham como competir em produtividade.

Considerações finais

Como visto nesta pesquisa, alguns fatores contribuíram para o desuso dos ladrilhos hidráulicos: o declínio na qualidade visual e estética e o alto custo final do produto se comparado com os revestimentos cerâmicos que são fabricados rapidamente, eliminando o extenso prazo de entrega do ladrilho hidráulico. Outro fator a ser levado em consideração trata-se da mecanização do setor de revestimentos cerâmicos fortalecida pela tecnologia para a produção em larga escala, que tornou possível a substituição sistemática dos ladrilhos hidráulicos.

Para concluir, destaca-se que os temas que foram discutidos por meio da presente pesquisa, reforçam uma conscientização na área de educação patrimonial, com o intuito de sensibilizar os diversos atores da nossa sociedade para uma mobilização na luta pela preservação do patrimônio histórico e industrial.


Notas
[1] SERRA, Geraldo. Pesquisa em arquitetura e urbanismo. São Paulo: EDUSP, 2006.
[2] Portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): https://www.ibge.gov.br/
[3] Idem.
[4] SILVA, Josefa Gomes de Almeida e. (2000). Raízes históricas de Campina Grande. In: GURJÃO, Eliete de Queiroz. Imagens multifacetadas da história de Campina Grande. Campina Grande: PMCG. p. 13-28., p. 13).
[5] QUEIROZ, M. V. D. de. Quem te vê não te conhece mais: arquitetura e cidade de Campina Grande em transformação (1930-1950). Campina Grande: EDUFCG, 2016.
[6] AFONSO, A.; MENESES, C. A Influência da escola do recife na arquitetura de Campina Grande 1950-1970. Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação, 4. Anais. Belo Horizonte: UFMG, 2015, p. 5.

Arthur Thiago Thamay Medeiros
Doutorando em Design, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: thiagothamay@hotmail.com
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Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo
Professora adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutora em Projetos Arquitetônicos pela Universitat Politècnica de Catalunya, UPC, Espanha. E-mail: kakiafonso@hotmail.com 

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