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Telésforo Cristófani: arquiteturas do patrimônio moderno paulista

| Silvia Raquel Chiarelli |

O presente artigo se propõe a dar continuidade ao processo de reconhecimento, divulgação, preservação e conservação da documentação profissional arquitetônica e da obra construída do arquiteto paulista Telésforo Cristófani (1929-2002). Trata-se de um importante profissional ainda pouco conhecido e que, assim como muitos dos arquitetos de sua geração, possui uma vasta produção local e nacional.

Ao noticiar as pesquisas anteriores e apresentar a arquitetura de Telésforo Cristófani, com base na seleção de três dos seus mais relevantes projetos, temos a intenção de chamar a atenção para o reconhecimento e divulgação das contribuições desse importante arquiteto, principalmente para o estudo da arquitetura moderna paulista. E, consequentemente,batalhar para que os edifícios remanescentes projetados e construídos por Cristófani sejam preservados e conservados,de modo que as soluções compositivas e construtivas propostas pelo arquiteto sejam compreendidas e mantidas, sem que ocorra um intenso processo de descaracterização desses edifícios e/ou a demolição.

O presente artigo estrutura-se na seguinte ordem: Pesquisas anteriores, que partem do reconhecimento, estudo e divulgação da vida e obra do arquiteto Telésforo Cristófani; Praticando diferentes caminhos da cultura do seu tempo, parte em que três obras,projetadas e construídas pelo arquiteto na cidade de São Paulo, nas décadas de 1960-1970, serão brevemente apresentadas.São elas: o Edifício Restaurante Vertical Fasano (1964), já demolido; o Edifício Giselle (1969); e o Edifício Paulista I (1973). E por último, as Considerações finais.

Pesquisas anteriores

O presente artigo dá continuidade ao esforço inicial da pesquisa documental Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929 – 2002), elaborada com o financiamento do Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa) pelas pesquisadoras Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima, Profa. Dra. Cecília Rodrigues dos Santos e Profa. Dra. Ruth Verde Zein (2006), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FAU-MACK) [1]. Atualmente, os arquivos profissionais do arquiteto, organizados por esta pesquisa documental encontram-se disponíveis para acesso de pesquisadores no acervo da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

As dissertações de Fanny Schroeder de Freitas Araujo [2] e Silvia Raquel Chiarelli [3], ambas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tratam da vida e da obra do arquiteto Telésforo Cristófani e foram orientadas, respectivamente, pela Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima e pela Profa. Dra. Ruth Verde Zein. Tais pesquisas possuem grande relevância para o estudo do patrimônio moderno paulista: a primeira, por ter organizado o levantamento da base documental presente no acervo original do arquiteto, apresentando, assim, um panorama geral da vida e da obra de Cristófani e dando início ao trabalho de reconhecimento e divulgação dos projetos e obras deste arquiteto ainda pouco conhecido. A segunda pesquisa, em contrapartida, difere dos objetivos, da metodologia e dos resultados propostos pelo trabalho de Araujo.Apenas algumas obras de Cristófani foram selecionadas por Chiarelli para uma análise mais aprofundada, segundo alguns temas e preocupações precisos, relacionados a questões tectônicas e compositivas,são elas: o Edifício Baviera (1963); o Edifício Restaurante Vertical Fasano (1964); o Edifício Giselle (1969); o Edifício Escritório Sede C.T.B. – SP / TELESP (1971); e o Edifício Paulista I (1973), sendo que três delas serão brevemente apresentadas neste artigo.

Importante ressaltar, ainda, que apesar do acervo das obras do arquiteto Telésforo Cristófani já haver sido parcialmente organizado e, atualmente, estar disponível para consulta e pesquisa, ainda há muito a estudar sobre sua contribuição arquitetônica para a arquitetura paulista e brasileira (Fig. 1).

Fig. 1. Fotografia do arquiteto Telésforo Cristófani em seu escritório. Ao fundo, painel com a fotografia do Edifício Giselle, projetado e construído pelo arquiteto em São Paulo, em 1969 (fonte: Acervo Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002)).

Praticando diferentes caminhos da cultura arquitetônica de seu tempo

Ao longo de toda a sua obra, Telésforo Cristófani projetou para situações econômicas e técnicas muito diversas, em cada caso buscando adequar o processo criativo, os meios técnicos e os resultados plásticos, atendendo às exigências que cada obra objetivamente propõe, evidenciando a sua capacidade de adaptação e ajuste da sua criatividade às circunstâncias técnicas, ao tempo, ao lugar e à legislação. Ao mesmo tempo, a qualidade da sua obra permite e facilita uma análise crítica que pode ajudar a iluminar a questão dos processos projetuais empregados naquele momento e contexto histórico.

Três obras significativas projetadas e construídas por Cristófani durante sua trajetória profissional serão apresentadas a seguir, de forma breve e sucinta. Trata-se de três edifícios verticais, construídos na cidade de São Paulo nas décadas de 1960-1970: o Edifício Restaurante Vertical Fasano (1964); o Edifício Giselle (1969); e o Edifício Paulista I (1973) [4].

Esses exemplares permitem obter mais informações sobre a capacidade desse arquiteto de adaptar cada projeto e obra aos desafios propostos. Desafios que permitiram que Cristófani explorasse experiências de todo o tipo, reveladas em cada projeto e cada obra, e que informam uma aproximação muito precisa de sua habilidade como arquiteto projetista para manipular os recursos construtivos em função das suas intenções compositivas. E ainda, revelar para aqueles que ainda não conhecem com profundidade a obra desse importante arquiteto, parte do seu legado arquitetônico construído, de maneira a chamar atenção de todos para que não permitamos que esse patrimônio moderno seja descaracterizado, demolido ou que caia no esquecimento.

EdifícioRestaurante Vertical Fasano

O Restaurante Vertical Fasano foi projetado e construído em um lote na rua Dom José de Barros, no centro da cidade de São Paulo, em 1964. Com o projeto, Cristófani recebeu a medalha de prata no prêmio para a categoria “edifício para fins comerciais” na VIII Bienal Internacional de São Paulo, em 1965. No mesmo ano, o projeto fora destaque na revista Acrópole n. 321 do mês de setembro (Fig. 2).

O desafio de tornar o espaço habitável e de ajustar o complexo programa que envolvia vários usos (confeitaria, espera, bar, casa de chá e restaurante) e respectivas áreas técnicas e de apoio, fez com que Cristófani adotasse a mesma solução dos edifícios vizinhos de ocupação total do lote, em conformidade com o contexto do quarteirão em que se situa e com os quarteirões vizinhos, conforme permitia, então, a legislação urbanística. O edifício projetado pelo arquiteto ocupava toda a área do lote em forma de paralelogramo, ligeiramente irregular.

O programa foi distribuído ao longo dos quatro pavimentos com pé-direito duplo. Com a ressalva de que, no fundo do lote, o edifício é dividido em oito pavimentos com pé-direito simples. No fundo, concentra-se toda a área de apoio e serviço (sanitário, monta-carga etc.) que dá suporte ao restante do programa dividido entre os quatro pavimentos com pé-direito duplo. No térreo, encontra-se a confeitaria, enquanto que a área de espera está no mezanino. O bar e a casa de chá estão no primeiro pavimento, enquanto que o restaurante encontra-se no segundo e terceiro pavimentos. E, por último, a cozinha no quarto pavimento (Fig. 3, 4 e 5).

Os clientes acessam os quatro pavimentos através do elevador e das duas escadas metálicas, localizados próximos à entrada do edifício.

A textura rústica do concreto armado aparente nas paredes do interior e exterior do edifício, o emprego das duas escadas metálicas no interior e dos brises pré-moldados em concreto na fachada principal foram justificados pelo arquiteto no memorial do projeto como sendo uma “necessidade de permitir a execução da obra em prazo muito curto, previamente estabelecido, contando com a dificuldade de canteiro e acesso, e sem recorrer à mão de obra especializada”[5].

Provavelmente, ao finalizar o processo projetual do edifício, Cristófani teve o cuidado de também desenhar o mobiliário e os painéis em madeira das paredes e dos forros do térreo ao terceiro pavimento, entre outros detalhes que compunham o interior do edifício. Supomos que a escolha dos painéis de madeira tenha sido tomada posteriormente, como consequência do emprego do concreto armado e aparente, com a intenção de enriquecer visualmente o interior do edifício, tratando-se de um restaurante luxuoso, e de tornar o ambiente cálido e confortável aos usuários.

Posteriormente, o Restaurante Vertical Fasano foi fechado e o edifício demolido. Atualmente, o lote onde se localizava o edifício foi acoplado ao projeto do SESC 24 de Maio, projetado e construído pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha em parceria com o escritório de arquitetura MMBB, e inaugurado recentemente [6].

Fig. 2. Restaurante Vertical Fasano: fotografia de época do Edifício Restaurante Vertical Fasano (fonte: Acervo Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002)).

Fig. 3. Restaurante Vertical Fasano: plantas. Da esquerda para a direita: térreo; mezanino; pavimento-tipo (1º ao 3º pavimento); 4º pavimento; pavimentos intermediários (fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

Fig. 4. Restaurante Vertical Fasano: corte longitudinal (fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

Fig. 5.Restaurante Vertical Fasano: perspectiva interna do bar e casa de chá (em direção ao fundo do lote) feita pelo escritório Telésforo Cristófani Arquitetura (fonte: Acervo Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002)).

Edifício Giselle

O Edifício Giselle foi projetado e construído no ano de 1969 em concreto armado aparente. O bloco com planta em formato de “H” e doze pavimentos está implantado no centro de um lote com formato de trapézio, com recuos dos quatro lados, localizado no bairro Itaim Bibi, zona sul da cidade de São Paulo.

Sua fachada principal está voltada para a Avenida Nove de Julho, uma das avenidas mais importantes do bairro, enquanto que a posterior está voltada para Rua Jerônimo da Veiga, paralela à avenida. As fachadas laterais em concreto armado aparente, quase cegas, se destacam na paisagem pelos volumes salientes com forma de meio cilindros, no caso das áreas dos chuveiros dos banheiros, e de paralelepípedos, no caso dos armários dos dormitórios das unidades habitacionais (Fig. 6 e 7).

O edifício possui uso misto, comercial e residencial. A área comercial está dividida em duas lojas, localizadas no térreo (cota + 1.50), e duas sobrelojas no primeiro pavimento. Já a área residencial é composta por vinte e três apartamentos. Vinte e dois deles estão distribuídos do segundo ao décimo pavimento. Ou seja, dois apartamentos por andar, com planta-tipo “espelhada”, interligados pela torre de circulação vertical. E um único apartamento localizado no décimo primeiro pavimento, com área que corresponde ao dobro das demais unidades habitacionais (Fig. 8).

O edifício possui três acessos distintos localizados em duas cotas diferentes do lote e que levam aos usos diferentes da construção. Os moradores acessam a garagem (cota – 1.25) e as unidades habitacionais pela avenida (cota 0.00), através de uma escada e duas rampas, localizadas no centro do lote. Enquanto que o público acessa o comércio (cota + 1.50) através das duas escadas implantadas nas laterais do terreno, voltadas para a avenida. O público também tem acesso ao comércio pela rua (cota + 1.25) paralela à avenida, através de uma escada e uma rampa, cada qual localizada em uma das laterais do lote, no mesmo eixo das duas escadas voltadas para a avenida. Este arranjo permite ao público seguir de uma via pública à outra percorrendo o meio da quadra. Com isso, Cristófani projetou e construiu um solo permeável e fluído do ponto de vista urbano, atribuindo maior qualidade urbana e arquitetônica e, consequentemente, complexidade ao seu projeto através da criação de dois térreos, localizados em níveis distintos (Fig. 9 e 10).

Inicialmente, Cristófani não previu portões e grades cercando o edifício construído, reforçando a ideia de quadra aberta com permeabilidade urbana. Até que em uma das reformas realizadas anos depois da construção, os portões e as grades foram encomendados ao autor do projeto. Os portões e as grades projetadas por Cristófani permanecem até hoje circundando o lote. Identificamos o cuidado do arquiteto em manter sua intenção projetual inicial, permitindo que o pedestre continue percorrendo o meio da quadra, indo de uma rua a outra, mesmo com a adição dos portões e das grades.

Atualmente, durante todo o período do dia, os portões de acesso ao térreo comercial permanecem abertos com passagem livre para o pedestre. E no período da noite, ficam fechados. Somente os portões de acesso à garagem e ao hall das unidades habitacionais permanecem fechados durante todo o tempo. Estes são abertos somente no momento da entrada e saída dos funcionários e moradores das unidades.

No presente momento, o Edifício Giselle é uma das obras mais bem preservadas e conservadas pelos moradores e comerciantes do imóvel, que reconhecem o valor desse edifício como sendo uma das contribuições de Cristófani à arquitetura moderna paulista.

Fig. 6. Edifício Giselle: fachada principal (fonte: foto de Silvia Raquel Chiarelli, 2011).

Fig. 7. Edifício Giselle: fachada lateral (fonte: foto de Silvia Raquel Chiarelli, 2011).

Fig. 8. Planta do pavimento-tipo (com duas unidades habitacionais) – 2º ao 11º pavimento (fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

Fig. 9. Edifício Giselle: plantas da garagem (cota – 1.25) e do comércio (cota + 1.50). Em vermelho, destaque para os portões de acesso ao edifício (fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

 

Fig. 10. Edifício Giselle: corte transversal esquemático. Em azul, caminho percorrido de acesso público. E em vermelho, caminho percorrido de acesso privado(fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

Edifício Paulista I

O Edifício Paulista I destina-se ao uso comercial. O edifício está localizado em um lote entre a Avenida Paulista e a Alameda Santos, no bairro Bela Vista, zona central da cidade de São Paulo. O desenho do lote apresenta um declive no sentido da Avenida Paulista à Alameda Santos e um “dente” em uma das laterais que define o estreitamento do terreno em direção à avenida.

Ao projetar e construir o edifício no ano de 1973, Cristófani tirou partido dessas características do lote, considerando sua localização, topografia e forma. A forma do lote sugere a divisão em dois retângulos em sequência, um com frente para a Alameda Santos e o outro com frente para a Avenida Paulista. Dentro de cada retângulo há um diferente agrupamento de elementos e ambos constituem o conjunto edificado. Tal divisão em dois grupos pode ser considerada como uma maneira de organização funcional, estrutural e compositiva.

Toda a área retangular voltada para a Alameda Santos está coberta por um plano horizontal em forma de grelha vazada, em concreto armado aparente, apoiado sobre doze pilares, também em concreto armado aparente. A grande cobertura vazada permite a entrada de iluminação e ventilação natural, e delimita e define um espaço semi-público projetado como pátio ou praça, intencionalmente construído para abrigar exposições temporárias e outros eventos abertos ao público em determinadas ocasiões. Junto aos dois limites laterais do terreno, embaixo da grande cobertura vazada, estão localizadas duas rampas para a entrada e saída dos automóveis e acesso aos três subsolos de garagem.

Na outra área retangular, voltada para a Avenida Paulista, encontra-se a torre comercial envidraçada com vinte e quatro pavimentos, recuada dos limites laterais do terreno. A organização espacial da estrutura da torre envidraçada é composta por quatro pilares nas extremidades e uma caixa que abriga a circulação vertical e os sanitários no centro da planta, também funcionando como um grande pilar central. Tal disposição estrutural permitiu que a planta de todos os pavimentos fosse livre de apoios.Essa característica permite que cada andar tenha maior flexibilidade para o ajuste do mobiliário e dos painéis divisórios internos.

As rampas de saída dos automóveis em direção à Avenida Paulista estão implantadas em cada recuo lateral dessa área retangular. Há um patamar de pedestres voltado para a Avenida Paulista e situado entre as duas rampas de automóveis. Este se define por uma larga e marcante rampa de pedestres, com piso em concreto armado, ligando o interior da torre comercial à calçada da Avenida Paulista (Fig. 11).

Cristófani deixou um amplo recuo de dez metros a partir do alinhamento do terreno em relação à Avenida Paulista. Dessa maneira, a rampa de pedestres com acesso ao interior da torre comercial ocupa apenas a área delimitada pelo novo alinhamento definido pela Prefeitura Municipal. Essa área entre o início da rampa e o limite antigo do alinhamento do terreno corresponde a um alargamento da calçada em frente ao edifício, conformando uma pequena praça, na mesma cota da calçada (cota 0.00). Tal distanciamento demonstra o cuidado do arquiteto em relação à implantação e ao acesso ao edifício. Situada em meio ao paredão formado por torres, construídas no limite do novo alinhamento do terreno, essa pequena praça em frente ao edifício Paulista I, surge como um respiro para quem caminha pela calçada da avenida. Distanciamento que também permite que a torre, com vinte e quatro pavimentos, seja vista por inteiro, destacando sua arquitetura e agregando valor ao edifício.

Em frente à Alameda Santos (cota 0.00), o pedestre tem acesso a praça coberta pela grelha através da escada em frente à calçada; essa praça coberta (cota + 1.36) é o térreo identificado no corte como T1. Após a cobertura vazada, há outra escada com um patamar, levando o pedestre até o térreo identificado como T2 (cota + 4.59). Trata-se da continuação da praça que, nesse patamar, é coberta pela projeção da torre. Somente neste pavimento, a torre toca o solo com seus quatro pilotis, localizados nas extremidades do volume, e com a sua caixa de concreto armado aparente, contendo a circulação vertical. Na cota + 4.59, o pedestre pode subir por um dos cinco elevadores ou pela escada até o pavimento superior, de uso comercial (cota + 8.21), identificado como T3. Nele é possível descer pela rampa de pedestres que levará o usuário até a calçada da Avenida Paulista (cota + 8.08). O percurso inverso, com início pela calçada da Avenida Paulista, também é possível de ser percorrido pelo pedestre, possibilitando a manutenção de um solo permeável, intencionalmente projetado e construído por Cristófani (Fig. 12).

Atualmente, não reconhecemos mais os térreos identificados no corte como T1, T2 e T3 projetados e construídos por Cristófani. A rampa e o patamar voltados para a Avenida Paulista foram demolidos durante uma das reformas do edifício, dando lugar a uma construção térrea e completamente fechada, que avança até os limites do terreno em direção à avenida. O plano horizontal em forma de grelha vazada foi coberto e completamente fechado em direção à alameda. Dessa maneira, parte do edifício foi brutalmente descaracterizada pela demolição dos seus elementos originais e a construção de outros no lugar.Consequentemente, a ideia de quadra aberta com permeabilidade urbana, projetada e construída por Cristófani, foi completamente interrompida.

Esclarecemos, contudo, que tal crítica não se deve ao ato de intervir no patrimônio arquitetônico moderno. Temos consciência de que as intervenções muitas vezes são necessárias ao longo dos anos por motivos variados, dentre eles: problemas estruturais,manutenção, ampliação e/ou adequação do programa etc. Criticamos a intervenção que desconsidera o partido pensado cuidadosamente pelo autor do projeto e que não manifesta qualquer preocupação em devolver e/ou melhorar a qualidade arquitetônica que deve existir entre o edifício e a cidade. Acreditamos que o fortalecimento do processo de reconhecimento, estudo e divulgação dessa e de outras obras de Cristófani, assim como de outros arquitetos da sua geração, fará com que esse tipo de intervenção, que mais parece uma “fratura”, ocorra cada vez menos. Em contrapartida, consideramos a intervenção feita pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha entre o térreo e o primeiro pavimento do Edifício Sede da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP e CIESP) como um bom exemplo de projeto e construção em uma obra amplamente reconhecida pelo seu valor arquitetônico moderno [7].

Fig. 11. Edifício Paulista I: rampa de pedestre ligando o edifício à Av. Paulista. Fotografia da época da inauguração, 1973 (fonte: Acervo Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002)).

Fig. 12. Edifício Paulista I: corte transversal. Destaque para os três térreos e para a permeabilidade urbana ligando a av. Paulista à al. Santos (em vermelho) (fonte: elaborado por Silvia Raquel Chiarelli).

Considerações finais

A compreensão da trajetória profissional do arquiteto paulista Telésforo Cristófani e a vontade de analisar cada uma das três obras apresentadas, mesmo que em um breve estudo proposto por este artigo, correspondem ao esforço e à tentativa de “decifrar” as possíveis relações existentes entre as intenções compositivas, as questões programáticas, técnicas e edilícias, propostas pelo arquiteto em cada uma das suas obras. Notamos que Cristófani respondeu a cada desafio projetual de maneira única, adequando o programa imposto ao terreno, aos materiais e às técnicas construtivas de sua época. Esses desafios permitiram que este profissional realizasse experiências de todo o tipo, que informam uma aproximação muito precisa de sua habilidade como arquiteto projetista para manipular os recursos construtivos em função das suas intenções compositivas. Essas intenções fizeram parte de um repertório de possibilidades, experimentações e realizações que podem ser compreendidas como referência necessária, mesmo que em si mesma insuficiente, para pensar o“novo” a cada projeto. E, ainda, que o conjunto de conhecimentos acumulados pelo arquiteto e incorporados na proposição projetual deixou registros perceptíveis em cada uma das obras apresentadas. Cada obra é singular e individual, mesmo que apresente, implicitamente ou não, escolhas semelhantes e/ou materiais e técnicas construtivas iguais.

Esperamos que este artigo cumpra o seu papel sendo mais uma homenagem e um pequeno aporte ao relevante corpo de conhecimento de todos aqueles que contribuíram para o reconhecimento, o estudo, a divulgação e a preservação da vida e obra deste importante arquiteto paulista, com quem pudemos aprender através da sua produção arquitetônica. Com a divulgação das pesquisas anteriores e da localização atual do acervo profissional do arquiteto – disponível para consulta e pesquisa – esperamos despertar a atenção de outros pesquisadores para que estes também possam dar continuidade aos estudos sobre a vida e a obra de Cristófani que, assim como muitos dos arquitetos de sua geração, possui uma vasta produção local e nacional.Esperamos também despertar a atenção de todos para a conscientização de que devemos batalhar pela preservação e conservação dos edifícios projetados e construídos por Telésforo Cristófani, evitando que outras demolições e/ou intervenções que descaracterizam brutalmente a obra sejam realizadas.


Notas

[1] Acervo do arquiteto organizado pela pesquisa documental “Arquitetos Paulistas, idéias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002)”, sediada na FAU-Mackenzie e elaborada pelas pesquisadoras Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima, Profa. Dra. Cecília Rodrigues dos Santos e Profa. Dra. Ruth Verde Zein, com financiamento do Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa), 2006.Após a conclusão dessa pesquisa, a família do arquiteto doou o acervo de Telésforo Cristófani para a Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAU-USP. Uma cópia em CDs-Room do material organizado pela pesquisa também foi doada pelas pesquisadoras acima citadas à Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAU-USP.

[2] ARAUJO, Fanny Schroeder de Freitas. Telésforo Cristófani (1929-2002), contribuições à arquitetura paulista. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU-MACK, 2009.

[3] CHIARELLI, Silvia Raquel. Telésforo Cristófani: construção e composição. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU-MACK, 2013. Esta dissertação de mestrado recebeu o apoio financeiro do Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa) e da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP).

[4] A breve apresentação desses três edifícios foi extraída do estudo aprofundado elaborado por Chiarelli em sua dissertação de mestrado. Consultar: CHIARELLI, Silvia Raquel. Telésforo Cristófani: construção e composição. São Paulo: FAU-MACK, 2013. Esta dissertação de mestrado recebeu o apoio financeiro do Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa) e da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP).

[5] Memorial do projeto do Restaurante Vertical Fasano presente no acervo Arquitetos Paulistas, ideias e obras: Telésforo Cristófani (1929-2002).

[6] O SESC 24 de Maio foi inaugurado no dia 19 de agosto de 2017. Cf.: ZAREMBA, Julia. Inauguração do SESC 24 de maio tem 17 mil visitantes e filas. Folha de São Paulo, 3 set. 2017, Ilustrada. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/08/1911390-inauguracao-do-sesc-24-de-maio-tem-17-mil-visitantes-e-filas.shtml, Acesso em 29/08/2017.

[7] O Edifício Sede da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP e CIESP) foi projetado e construído pelo escritório Rino Levi Associados e inaugurado em 1979. Em 1998, Paulo Mendes da Rocha projetou e construiu um mezanino entre o térreo e o primeiro pavimento do edifício. Cf.: http://www.fiesp.com.br/sobre-a-fiesp/edificio-da-fiesp/ e http://www.fiesp.com.br/noticias/paulo-mendes-da-rocha-o-predio-da-fiesp-e-uma-figura-destacada-fruto-da-engenhosidade-do-rino-levi/Acesso em 29/08/2017.  2017.


Silvia Raquel Chiarelli

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sua pesquisa em andamento intitulada Le Cobuiser: Embaixada da França, Brasília conta com o apoio da FAPESP. Realizou seu doutorado “sanduíche” na França, vinculada à Fondation Le Corbusier e à École Supériure d´Architecture de Versailles, com o apoio da BEPE (FAPESP). Colabora como voluntária na secretaria do Núcleo DOCOMOMO SP desde 2014. Atuou como professora do ensino superior entre os anos de 2013 a 2015. Arquiteta graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013). Sua dissertação de Mestrado, intitulada Telésforo Cristófani: construção e composição contou com o apoio da FAPESP.


logo_rr_pp      EDIÇÃO n.2 2017       

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