Os nanomateriais no restauro de superfícies arquitetônicas

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| Mariana Carraco Palos |

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia no campo da conservação e restauração do patrimônio cultural nas últimas décadas aponta para algumas linhas principais de atuação: o desenvolvimento de técnicas não invasivas de diagnóstico, a criação de novos materiais, medições e controles ambientais para a conservação preventiva e técnicas digitais para a documentação e representação gráfica.

A nanotecnologia abre a possibilidade de aplicar tratamentos específicos para os materiais que compõem os bens culturais a fim de minimizar seu processo de degradação, garantindo a transmissão de seus valores às futuras gerações. Seus efeitos em longo prazo, entretanto, devem ser mais bem estudados.

Neste contexto, buscou-se estabelecer um panorama dos nanomateriais, em fase de estudo e aplicação, utilizados em intervenções de conservação e restauração de superfícies arquitetônicas, levando-se em conta os processos de fabricação envolvidos e os principais usos e limitações.

O interesse dos novos materiais em diversos campos propiciou o estudo de suas propriedades físicas, químicas e comportamento em longo prazo. Com esta finalidade se promovem pesquisas que tem como escopo determinar as características destes novos materiais e favorecer o desenvolvimento de produtos que melhorem suas funções. Esta preocupação dentro do campo da conservação impulsionou a realização de inúmeros trabalhos nas últimas décadas, dirigidos a selecionar os produtos com melhores propriedades e compatíveis em relação aos demais elementos construtivos com os quais estarão em contato.

A ciência dos coloides e suas interfaces, juntamente com a ciência dos materiais que fazem parte da nanociência, forneceram conceitos, técnicas, competências e instrumentos que possibilitaram maior compreensão dos processos de deterioração dos materiais constitutivos das obras de arte e apresentaram métodos confiáveis para uma duradoura e compatível conservação desses bens na medida do possível [1].

O setor da nanotecnologia é um campo relativamente novo, encontra-se em fase de estudos mais aprofundados e tem oferecido interessantes soluções a partir de materiais inovadores, com resultados bastante satisfatórios no campo da restauração e em quase todos os processos relacionados à conservação de um artefato, como: consolidação, limpeza, proteção e conservação preventiva (monitoramento das condições ambientais).

Instituições universitárias e centros de pesquisa em âmbito europeu, reconhecidos internacionalmente por suas contribuições no setor dos novos materiais, vêm desenvolvendo produtos para conservação e restauração de bens culturais, principalmente nos campos das nanopartículas e dos biomateriais, contando com áreas de pesquisas direcionadas, especificamente, para os estudos de materiais destinados à conservação e restauração.

Os nanomateriais

Nanotecnologia é o estudo dos fenômenos e a manipulação dos materiais em nível atômico e molecular. Envolve a compreensão, controle e reestruturação da matéria na ordem do nanômetro (10 -9 m) para criar materiais com novas propriedades e funções. Os nanomateriais consistem em materiais que possuem componentes estruturais com pelo menos uma dimensão no intervalo de 1-100nm.

A diminuição da dimensão das partículas torna maior a área superficial por unidade de volume, aumentando sua reatividade. Além disso, facilita a dispersão das partículas sólidas em solvente (que pode ser feita com pincel, nebulização ou depositada gota a gota sobre a superfície a ser tratada), favorece a penetração em substratos porosos como pinturas murais, madeira, revestimentos, etc., e minimiza o risco de formação de depósitos sobre a superfície.

As partículas de nanomateriais podem ser associadas a outros produtos comerciais (orgânicos ou inorgânicos) tradicionalmente utilizados no campo da restauração, formando assim nanocompostos. Produtos híbridos orgânico-inorgânicos constituídos por uma matriz polimérica ligante e cargas inorgânicas de dimensões manométricas (partículas ou nanoestruturas) apresentam, em geral, melhores prestações em comparação com os produtos poliméricos tradicionais em termos de propriedades mecânicas, resistência química, proteção contra a radiação UV etc.

Os principais produtos fabricados pela nanociência encontrados no campo do restauro são: as nanopartículas, os materiais nanoestruturados (filmes, fluidos e géis) e os nanosensores. Este artigo trata das nanopartículas e materiais nanoestruturados utilizados em intervenções diretas sobre bens arquitetônicos, seja nos processos de limpeza, consolidação ou proteção de superfícies.

Classes de métodos de abordagem para a produção dos nanomateriais

A possibilidade de utilizar nanomateriais em diversas aplicações exige o desenvolvimento de métodos para a produção de nanopartículas que permita um controle rigoroso de suas dimensões, formas e estrutura cristalina.

As nanopartículas podem ser obtidas por meio de dois tipos de abordagem principais:

  • Top-down (abordagem física) – consiste em atingir as dimensões manométricas a partir de um material de dimensões maiores, usando energia de tipo mecânico, químico ou outra forma;
  • Botton-up (abordagem química) – o material manométrico é sintetizado por deposição de nanopartículas e de crescimento de cristais em fase líquida ou a vapor. Ex.: os métodos de sol-gel, método de pulverização pirólise, isto é, métodos de precipitação química [2, 3].

O controle características – tais como dimensão das partículas, forma, dimensão, composição, grau de aglomeração (caso se trate de um sistema coloidal) – é fundamental na nanotecnologia, uma vez que a relação estrutura-propriedade é enfatizada pelas elevadas potencialidades dos nanomateriais [1,2,3].

As nanopartículas

Hidróxido de Cálcio (Ca(OH)2)

Fig.1 – Nanopartículas de hidróxido dispersas em etanol. Fonte: Disponível em: . Acesso: jan. 2017.

Fig.1 – Nanopartículas de hidróxido dispersas em etanol. Fonte: Disponível em: <http://www.csgi.unifi.it/products/>. Acesso: jan. 2017.

É utilizado na consolidação de pinturas murais, pedras calcárias, mármores, argamassas à base de cal e madeira. Ideal para aplicação em substratos à base de carbonato por sua alta compatibilidade físico-química como suporte.

Durante anos a utilização do hidróxido de cálcio em intervenções de consolidação foi dificultada devido a sua baixa solubilidade em água. A grande quantidade de água necessária para conseguir um resultado satisfatório na diluição do produto poderia favorecer o processo de degradação causado pela presença de umidade (gelo-degelo, cristalização de sais).

Além disso, o produto disponível no mercado é formado por partículas muito grandes e que tendem a se separar do solvente formando uma película branca indelével sobre a superfície e resultando em uma discreta ação consolidante. Por essa razão, o uso do hidróxido de cálcio como consolidante limitou-se a injeções no interior de paramentos ou em microestucaturas.

A nanotecnologia solucionou esse problema por meio das dispersões estáveis cineticamente de minúsculos cristais de Ca(OH)2 em solventes não aquosos (álcool isopropílico), garantindo uma ótima penetrabilidade nas superfícies tratadas , inclusive em poros muito pequenos.

Em ambientes favoráveis, o álcool tem uma elevada volatilidade e uma toxicidade reduzida em comparação com outros solventes. Uma vez que este evapora, os nanocristais de hidróxido de cálcio reagem com o dióxido de carbono da atmosfera, garantindo melhor processo de carbonatação e a religação dos estratos pictóricos ao suporte.

Hidróxido de Magnésio (Mg(OH)2)

Este composto é utilizado na desacidificação de papel, tela e madeira e na consolidação de pinturas murais, pedras calcárias, mármores, argamassas à base de cal e madeira.

No que diz respeito à consolidação, a aplicação de dispersões de Mg(OH)2 está principalmente relacionada com a preservação de substratos de carbonato de cálcio-magnésio e requer partículas com um tamanho médio de cerca de 250nm. Neste caso, são preferidos sistemas mistos, constituídos por nanopartículas de cálcio e hidróxido de magnésio [4].

Hidróxido de Bário (Ba(OH)2)

Tem sido empregado como consolidante de pedras calcárias e pinturas murais em substratos calcários desde o final do século XIX. Seu uso é aconselhado quando existe formação de grande quantidade de sulfatos sobre o suporte.

Após a grande inundação de Florença (1966), Ferroni desenvolveu um método para tratar as obras de arte profundamente danificadas pela água e pela lama. O método Ferroni consiste em duas fases:

  1. Dessulfatação com solução de carbonato de amônia (NH4)2Co3 em compressas de polpa de celulose;
  2. Aplicação de solução de Ba(OH)2 que transforma os sais de sulfato solúvel em sulfato de bário insolúvel.

O carbonato de cálcio produzido na primeira fase é convertido em hidróxido de cálcio em presença de hidróxido de bário em excesso. O Ca(OH)2, por sua vez, reage com o CO2 formando um retículo cristalino que age como ligante, consolidando a superfície [5]. Na presença de grande quantidade de sulfato, o uso de nano-hidróxido de cálcio é insuficiente, pois estes reagem entre si formando sulfato de cálcio (mais estável). O recomendado é usar aplicação mista de nanopartículas de hidróxido de cálcio e de bário em solução alcoólica [6].

Fig. 2 – Consolidação de pintura mural com nanopartículas de hidróxido de cálcio e bário. Fonte: P. Baglioni, D. Chelazzi, R. Giorgi, G. Poggi, Langmuir (2013) 29, 5110.

Fig. 2 – Consolidação de pintura mural com nanopartículas de hidróxido de cálcio e bário. Fonte: P. Baglioni, D. Chelazzi, R. Giorgi, G. Poggi, Langmuir (2013) 29, 5110.

Hidróxido de Estrôncio Sr(OH)2

Juntamente com a nanocal, como parte do grupo dos hidróxidos alcalinos, possui propriedade básica que modifica o ph de superfícies deterioradas de materiais pétreos, argamassas de cal e cerâmicas, desacidificando-as.

Ainda em fase experimental, tem sido bastante utilizado para a eliminação de sais de superfícies de pedras, pinturas murais e revestimentos de gesso, graças a sua reatividade com sulfatos [7]. Esta solução apresenta vantagem em relação ao hidróxido de bário, pois é menos tóxica, podendo vir a ser uma alternativa aos métodos tradicionais de consolidação e proteção de artefatos artísticos [8].

O Sr(OH)2 penetra no substrato e reage com o CO2 formando carbonato de estrôncio que possui um volume molar similar ao carbonato de cálcio, evitando tensões mecânicas dentro dos extratos do material original. O acúmulo de carbonato de estrôncio sobre extratos de argamassa de pinturas murais poderia exercer uma função protetora como material de sacrifício.

Dióxido de Silício SiO2

Existem dezenas de tipos de nanosílica que podem diferir em função de sua dimensão, distribuição das partículas, modalidade de estabilização e presença de aditivos de vários tipos. Entretanto, apenas algumas tipologias são adequadas para o restauro de edifícios ou obras de arte.

Em geral se apresentam em dispersão coloidal aquosa na qual são dispersas também substâncias com função antiaglomerante como o hidróxido de sódio, que induz a formação de uma carga negativa dando estabilidade ao sistema.

A nanosílica constitui um líquido fluido e pode ser aplicada por imersão com pincel, nebulização à baixa pressão ou injetada em fissuras sobre uma superfície previamente limpa e sanada de quaisquer eflorescências.

Uma vez evaporada a água, as partículas ligam-se formando um gel de sílica capaz de criar pontes entre os grânulos desagregados de pedra ou de argamassa, ou readerir partículas de pigmento sobre uma superfície de pedra atuando assim, como consolidante ou como ligante entre inertes de vários tipos na execução de argamassa de estuque.

As partículas de nanosílica podem ter a sua superfície modificada com a adição de grupos orgânico-funcionaispara a preparação de nanocompostos sílica-polímero, visando melhorar a afinidade entre as fases orgânica e inorgânica e a dispersão das nanopartículas na matriz polimérica. O resultado é um aumento da capacidade da superfície tratada de repelir água, tornando-a super-hidrofugante e garantindo sua máxima proteção contra os efeitos nocivos causados pela água [9].

Uma das técnicas mais eficazes na modificação das superfícies de nanosílica é a adição de silano (Si(OR)3R’), que possui capacidade de ligar os materiais inorgânicos (nanosílica) com resinas orgânicas, na qual a parte Si(OR)3 reage com a parte inorgânica enquanto o grupo funcional (R’) reage com a resina .

Dióxido de Titânio TiO2

Chamado também de titânia, encontra-se no formato de pó cristalino incolor, tendendo ao esbranquiçado. Constitui um óxido semicondutor dotado de elevada reatividade e pode ser quimicamente ativado pela luz solar. É utilizado no processo de oxidação avançada na destruição de formas orgânicas sintéticas resistentes aos métodos tradicionais, utilizando energia solar. Nesse processo, os radicais fortemente oxidantes permitem a destruição de um amplo espectro de substâncias orgânicas, sem seletividade, mas com elevada eficiência. Em condições oportunas, as espécies a remover são completamente convertidas em CO2, H2O e sais minerais inócuos. Sendo assim, o produto é capaz de transformar substâncias poluentes tóxicas em nitrato de sódio NaNO3, carbonato de sódio Na2CO3, calcário CaCO3 e substâncias inofensivas.

Com o desenvolvimento da nanotecnologia, partículas manométricas passaram a ser produzidas e integradas a outras substâncias, permitindo a otimização das características do processo de fotocatálise ativado pela luz (solar ou artificial) e do ar na presença de TiO2.

O produto é relativamente barato e facilmente obtido, quimicamente estável e inofensivo.  Essas vantagens fazem com que o TiO2 seja amplamente utilizado também nos mais diversos campos de atividades como medicina, cosmética, têxtil, etc. [10].

No campo da conservação de bens arquitetônicos, diversos estudos têm reforçado a eficácia do dióxido de titânio no tratamento de superfícies de pedra por suas ações hidrofugante, auto-limpante e biocida. Apesar de ter obtidos bons resultados em estudos e ensaios, de maneira geral, algumas formas do produto podem causar alterações cromáticas em alguns tipos de pedra [11].

Os materiais nanoestruturados

Filmes ou “SmartSurfaces

O uso de nanomateriais e o desenvolvimento de novas tecnologias possibilitam novas combinações que podem melhorar as propriedades dos produtos comerciais tradicionais. Nanopartículas inorgânicas (Ag, SiO2, SnO2, TiO2 e outros óxidos metálicos) têm mostrado melhores prestações em relação aos compostos químicos tradicionais utilizados no campo da restauração graças a suas características físico-químicas, como a força de coesão derivada da elevada área superficial, o efeito fotocatalítico, a modificação das tonalidades de cor, as boas propriedades ópticas, a capacidade superior de penetração, o coeficiente de dilatação térmica etc.

Tais materiais podem ser classificados de acordo com a classe de polímeros utilizados na dispersão das nanopartículas:

  • solventes: principalmente alcoóis e soluções aquosas em presença de tensioativos;
  • Polialquilsiloxano/polissilano: geralmente empregados produtos comerciais historicamente já utilizados na consolidação de bens culturais como Rhodorsil®, Rhodia Silicones®, Glymo®, Dynasylan®, SILRES®, TEOS;
  • resinasacrílicas : como Paraloid B72®;
  • poliuretano/policarbonato: recentemente utilizado como revestimento para o tufo;
  • híbridos: geralmente são utilizados dispersantes mistos de silano/siloxano com resina acrílica e podem estar presentes compostos fluorados.

Fluidos

Setores da química avançada e químico-física como a ciência dos materiais, dos coloides e da nanociência têm desenvolvido uma intensa atividade de pesquisa para o desenvolvimento de produtos destinados à limpeza de superfícies artísticas e históricas que permitam uma intervenção controlada na remoção dos agentes causadores de degradação, respeitando a matéria original e minimizando maiores danos ao substrato.

Muitos destes produtos e materiais têm sido pesquisados com o objetivo de remover traços de antigas intervenções de restauro sobre uma superfície, como resinas acrílicas (Paraloid B72®) e outros polímeros sobre pinturas murais, pedras etc. Trata-se de intervenções que, no momento em que foram realizadas, empregaram produtos que pareciam idôneos ao restauro, porém, em longo prazo, não só se mostraram inadequados, como puderam ser causadores de maiores danos aos artefatos nos quais foram utilizados, danos muitas vezes irreversíveis [12].

Fig. 3 – Templo de los Nichos Pintados enMayapan (Yucatan). Danos causados pelo revestimento de acetato polivinílico, aplicado em 1999. Fonte: R. Giorgi, M. Baglioni, D. Berti, P. Baglioni, AccChem Res (2010), 43, 695.

Fig. 3 – Templo de los Nichos Pintados en Mayapan (Yucatan). Danos causados pelo revestimento de acetato polivinílico, aplicado em 1999. Fonte: R. Giorgi, M. Baglioni, D. Berti, P. Baglioni, Acc Chem Res (2010), 43, 695.

Soluções micelares e microemulsões

Solução micelar é uma dispersão de agregados de moléculas anfifílicas (tensioativos); os agregados, chamados micelas, apresentam tipicamente uma forma esférica. Tais micelas são formadas quando a concentração de tensioativos supera um valor limite, chamada “concentração micelar crítica”, permanecendo ainda em equilíbrio com os tensioativos não agregados livres. A presença de tensioativos acima da “concentração micelar crítica” em uma mistura de dois líquidos imiscíveis conduz, sob agitação mecânica, a formação de uma emulsão.

A emulsão é macroscopicamente uma mistura homogênea de dois líquidos imiscíveis na presença de um componente emulsionante (tensioativo). Microscopicamente, porém, a mistura permanece heterogênea composta por gotas de um dos líquidos dispersas no outro e o emulsionante faz a interface entre os dois líquidos.

Fig. 4– Limpeza de pintura mural microemulsão. Remoção de capa de polímero resultante de antigas restaurações (Sacristia de Santa Maria della Scala, Siena, Itália). Fonte: E. Carretti, E. Fratini, D. Berti, L. Dei, P. Baglioni, AngewChem (2009) 48, 8966.

Fig. 4– Limpeza de pintura mural microemulsão. Remoção de capa de polímero resultante de antigas restaurações (Sacristia de Santa Maria della Scala, Siena, Itália). Fonte: E. Carretti, E. Fratini, D. Berti, L. Dei, P. Baglioni, Angew Chem (2009) 48, 8966.

As microemulsões apresentam uma reduzida toxicidade e impacto ambiental em relação aos solventes orgânicos tradicionalmente utilizados na limpeza (hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos), na medida em que a quantidade de componente orgânica utilizada em sua composição é, tipicamente, inferior a 10% (incluindo solventes e tensioativos). [13]

Ainda assim, as microemulsões garantem limpeza eficaz porque as gotículas de tamanho nanométrico têm uma enorme superfície ativa, que é de cerca de 500.000 vezes maior do que a mesma quantidade de solvente empregado de maneira tradicional [14].

Outra vantagem das microemulsões é que estas produzem o destacamento dos extratos de sujeira e do polímero aderido do suporte e a penetração do material destacado no interior dos poros do substrato é impedida pela barreira hidrofílica, formada pelo componente contínuo do fluido. Diferentemente da limpeza com solventes tradicionais, que comportam a dissolução do revestimento e a transferência de material dissolvido ao interior dos poros do substrato, podendo causar maiores danos à obra.

Géis nanoestruturados

Fig. 5 –Hidrogel químico para limpeza de superfícies. Fonte: Disponível em:. Acesso em: jan.2017.

Fig. 5 –Hidrogel químico para limpeza de superfícies. Fonte: Disponível em:<http://www.csgi.unifi.it/products/>. Acesso em: jan.2017.

A necessidade de realizar atividades de limpeza cada vez mais seletivas, que permitissem a remoção das camadas de sujeira e de vernizes sem alterar a matéria original da obra de arte, impulsionou, nos anos 1980, o desenvolvimento de métodos de limpeza que possibilitassem a liberação do solvente de uma forma controlada e gradual, com o uso de géis e compressas.

Um gel pode ser definido como um material mole que consiste em cadeias de polímeros (gelificante ou adensante) interligadas que aprisionam um fluido (normalmente um líquido). Os géis podem ser classificados em físicos: cuja estrutura é resultado da formação de ligações físicas relativamente fracas (isto é, ligações de hidrogênio ou interações de van der Waals); ou químicos: cuja estrutura é resultado de ligações covalentes, muito mais fortes.

Géis físicos apresentam uma grande dificuldade para a sua completa remoção de uma superfície. Para contornar o problema, cientistas dedicaram-se a formular um sistema alternativo que pudesse ser removido da superfície completamente e com facilidade.

A aplicação da nanotecnologia possibilitou novas abordagens para a limpeza de superfícies pintadas baseadas no desenvolvimento de “géis sensíveis”, ou seja: “géis capazes de reagir ou responder a um estímulo externo (especialmente pH, temperatura e campos magnéticos) aumentando as opções disponíveis para os conservadores”[15].

Esses géis sensíveis são:

  • Géis “Rheoreversible”: tornam-se fluidos por aplicação de um gatilho químico ou térmico (preferivelmente químico, caso se trate de pintura artística). Uma vez o gel tenha realizado sua ação de limpeza, são adicionadas algumas gotas de solução de um ácido fraco que desloca o CO2, convertendo o sistema em um líquido facilmente removível com um pano de algodão seco;
  • Géis magnéticos: incorporação de nanopartículas magnéticas de ferrita revestida em géis de poliacrilamida adiciona funcionalidade a um sistema versátil que compreende microemulsões óleo-em-água, soluções micelares aquosas ou xerogéis que atuam como esponjas. As partículas de ferrita permitem a utilização de ímãs para o posicionamento do gel precisamente sobre uma superfície e para remove-lo após a limpeza [16].
  • Géis “destacáveis” (PeelableGels): novas formulações de poli (álcool vinílico) – géis de borato, que aceitam uma variedade de co-solventes orgânicos. Esses “géis” podem adaptar sua forma de modo a maximizar o contato com o substrato artístico. Constituem sistemas que apresentam um elevado módulo de elasticidade e podem ser simplesmente destacados da superfície tratada após sua utilização.

Os novos produtos utilizados em obras de conservação ou restauração do patrimônio cultural, incluindo os nanomateriais, devem ser compatíveis com os materiais originais a fim de assegurar a máxima durabilidade no tempo. Na medida do possível, todo tratamento deve ser reversível, de modo que em qualquer momento se possa retornar ao estado anterior à intervenção.

As cartas e diretrizes internacionais para a salvaguarda patrimonial, desde a Carta de Atenas, de 1931, apontam como bem-vindo o uso de novas tecnologias e materiais no campo da restauração, desde que seu uso seja aplicado respeitando-se a integridade dos bens, seu valor documental, os princípios de mínima intervenção, distinguibilidade, reversibilidade e compatibilidade dos materiais empregados.

Com os conhecimentos de que dispomos neste momento e com o desenvolvimento de materiais cada vez mais especializados e eficazes, podemos evitar os efeitos nefastos consequentes do uso de material inadequado em intervenções de conservação de superfícies arquitetônicas. Para isso, é fundamental conhecermos profundamente o objeto no qual iremos intervir, atuando de maneira crítica e fundamentada, e apoiando-se nos estudos e técnicas especializadas referentes aos materiais a serem utilizados e seus comportamentos a médio e longo prazo.


Notas

[1] SANTARELLI, Maria Laura; BROGGI, Alessandra; BRACCIALE, Maria Paola. L’impiego di nanotecnologie e nanomateriali per il recupero e la conservazione dei beni culturali. Amaro: Consorzio Innova Fvg, 2016; Orgetto Nanocoat–Consorzio interuniversitario nazionale per la scienza e tecnologia dei materiali. Disponível em: <http://www.agemont.it/studidef/beni culturali.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2017.

[2] VILLALBA, Luz Stella Gómez et al. Aplicación de nanopartículas a la consolidación del patrimonio pétreo. La Ciencia y El Arte III: Ciencias experimentales y conservacion del patrimônio. Madrid, 2011,p.39-57.

[3] BAGLIONI, Piero; GIORGI, Rodorico. Soft and hard nanomaterials for restoration and conservation of cultural heritage. Soft Matter, v. 2, n. 4, p.293-303, 2006. Royal Society of Chemistry (RSC). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1039/b516442g>.Acesso em: 25 jan. 2017.

[4] CHELAZZI, David et al. Hydroxide nanoparticles for cultural heritage: Consolidation and protection of wall paintings and carbonate materials. Journal Of Colloid And Interface Science,  v. 392, p.42-49, fev. 2013. Elsevier BV. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.jcis.2012.09.069>. Acesso em: jan. 2017.

[5] BAGLIONI, Piero; GIORGI, Rodorico. op. cit.

[6] GIORGI, Rodorico et al. Nanoparticles for Cultural Heritage Conservation: Calcium and Barium Hydroxide Nanoparticles for Wall Painting Consolidation. Chemistry – A European Journal,  v. 16, n. 31, p. 9374-9382, 23 jul. 2010. Wiley-Blackwell. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1002/chem.201001443>. Acesso em: jan.2017.

[7] VILLALBA, op. cit., p.39-57.

[8] SANTARELLI, op. cit.

[9] MANOUDIS, P et al. Polymer-Silica nanoparticles composite films as protective coatings for stone-based monuments. Journal Of Physics: Conference Series,  v. 61, p.1361-1365, 1 abr. 2007. IOP Publishing. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1088/1742-6596/61/1/269>.Acesso em: jan. 2017.

[10] MUNAFÒ, Placido; GOFFREDO, Giovanni Battista; QUAGLIARINI, Enrico. TiO2-based nanocoatings for preserving architectural stone surfaces: An overview. Construction And Building Materials, v. 84, p.201-218, jun. 2015. Elsevier BV. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2015.02.083>. Acesso em: jan.2017.

[11] Idem.

[12] GIORGI, Rodorico et al. New Methodologies for the Conservation of Cultural Heritage: Micellar Solutions, Microemulsions, and Hydroxide Nanoparticles. Accounts Of Chemical Research, v. 43, n. 6, p.695-704, 15 jun. 2010. American Chemical Society (ACS). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1021/ar900193h>.  Acesso em: jan. 2017.

[13]BAGLIONI, Piero et al., op. cit..

[14]Idem.

[15] CARRETTI, Emiliano et al. New Frontiers in Materials Science for Art Conservation: Responsive Gelsand Beyond. Accounts Of Chemical Research, v. 43, n. 6, p.751-760, 15 jun. 2010. American Chemical Society (ACS). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1021/ar900282h>. Acesso em: jan. 2017.

[16] Idem.


Mariana Carraco Palos

Arquiteta e urbanista formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), especialista em Bens Culturais e Paisagísticos pela Universidade de Roma “La Sapienza” e doutoranda em arquitetura pela Universidade de Sevilha. Desde 2010 participa do desenvolvimento de projetos de intervenção em edifícios históricos com o escritório MLD Arquitetura e Restauro. É cofundadora do Escritório Proarte–Preservación y Valorización del Patrimonio Histórico-Artístico, com sede em Sevilha, Espanha, onde atua como diretora de projetos.


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